domingo, 4 de maio de 2008

Mecânica Quântica e Vida
(Extraído de Chaos and Harmony, de Trinh Xuan Thuan, professor de Astronomia da University of Virginia-USA)

A mecânica Quântica é uma área onde somos forçados a abandonar a noção de localidade real. O "Experimento EPR" deixou claro que todas as partículas no universo têm uma conexão misteriosa, que todas elas fazem parte da mesma realidade global. Pode a não localidade da mecânica quântica nos ajudar a resolver o mistério da morfogênese? Mesmo que os seres vivos sejam entidades macroscópicas, eles são feitos de moléculas de DNA que são a priori sujeitas às leis da mecânica quântica. O físico Erwin Schrodinger (da famosa função de onda) demonstrou realmente que a mecânica quântica é essencial para a compreensão da estabilidade do código genético nas moléculas de DNA.
Mas existe uma enorme diferença entre se usar a mecânica quântica para estudar o comportamento de partículas elementares e fazer a mesma coisa com os seres vivos. Como Niels Bohr enfatizou corretamente, é impossível determinar o estado quântico de um sistema biológico sem matá-lo. O motivo é que a teoria quântica atribui um papel primordial ao observador. É ele que cria a realidade fazendo a observação. A fim de examinar a célula viva, tem que se interagir com ela, que inevitavelmente a perturbará e interfere com o mecanismo molecular que é essencial para manter a vida. Além disso, a mecânica quântica tem um caráter estatístico não bom para seres vivos. Ela descreve a realidade em termos de probabilidades, o que implica que só pode ser verificado ao se observar o comportamento de vários sistemas idênticos. Suponha que você deseja determinar a probabilidade de uma moeda lançada no ar cai cara ou coroa. Você é incapaz de predizer o resultado de qualquer dada jogada. Tudo o que você pode dizer é que ela tem 50 por cento de chance de aparecer cara ou igual probabilidade de aparecer coroa. Mas para verificar isso, você tem de lançar a moeda muitas vezes. Igualmente, a mecânica quântica exige a observação de muitas entidades que não diferem de uma pequena quantidade. Isto não tem nenhum problema para partículas elementares de um dado tipo, pois elas são todas idênticas. Mas é uma história bem diferente para seres vivos, os quais, como sabemos, são caracterizados por suas especificidades. Nenhum ser vivo é totalmente igual a um outro. Isto torna muito improvável que a mecânica quântica possa ser aplicada sem modificação ao fenômeno da vida.
Provavelmente seria necessário invocar um novo conjunto de princípios, específicos para a biologia, que complementariam as leis da mecânica quântica sem contradizê-las. Este ponto de vista foi expresso pelos principais criadores da teoria quântica. Niels Bohr, um deles, afirmou que, do mesmo modo que se descreve elétrons como partículas é complementar a descrevê-los como ondas, assim são as leis da biologia complementares às leis físicas quando se descreve a natureza. Igualmente, Schrodinger não excluiu a possibilidade de novas leis na biologia: "De tudo que aprendemos sobre a estrutura da matéria viva, devemos estar preparados para achá-las funcionando de um modo que não possa ser reduzida às leis ordinárias da física." Mais recentemente, o físico Walter Elsasser propôs a idéia de "leis biotônicas", as quais, segundo ele, atuariam de um modo holístico nos organismos vivos, e possuiriam uma estrutura lógica completamente diferente daquilo que estamos acostumados a ter. Elas se acrescentariam às leis familiares da física, mas não poderiam ser deduzidas delas. Todas estas idéias esperam ser provadas.
Assim as questões que nós nos perguntamos sobre o mundo vivo têm fracassado para encontrar uma resposta. Não sabemos como as células vivas se desenvolvem de embriões sem forma para a complexidade, riqueza, e diversidade das formas vivas que nos rodeiam. A "profunda contradição epistemológica" que Jacques Monod falava continua a nos perseguir. Entretanto, emerge uma conclusão: Não parece que os seres vivos possam ser explicados em termos reducionistas como um conjunto de partículas que interagem localmente. Um princípio organizador com um caráter holístico, atuando numa escala global sobre todo o organismo, parece ser um pré-requisito.

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